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Dossiê temático: Tempo-vida e criação

Vol. 3 N.º 2 (2025): Revista Estud(i)os de Dança 6

Editorial: Tempo vivido e criação — seis propostas para outras ecologias temporais

DOI
https://doi.org/10.53072/RED202502/00101

Resumo

Ao longo da história, o tempo tem conhecido diferentes conceções quanto à sua natureza, ao seu movimento e aos modos de experiência.  Na tradição ocidental, herdada da antiguidade grega e consolidada pelo cristianismo e pela modernidade, tem prevalecido uma conceção linear e progressiva do tempo. Concebido como um movimento entre um início e um fim, orientado por um sentido — a salvação no cristianismo, o progresso na modernidade —, o tempo desenvolve-se historicamente, inscrito numa narrativa que tende a expressar os progressos da ação humana sobre o mundo e a natureza. O pensamento oriental, por sua vez, associa o tempo à ordem cíclica que rege o movimento da natureza e da vida humana. Concebido como fluxo contínuo, e não como linearidade e progresso, o tempo constitui-se como uma temporalidade inseparável de uma cosmologia em que o ser humano não é o centro, mas parte integrante do tecido natural. O tempo não corre para um fim; tece-se no entre das coisas, no crescimento e no desabrochar lento do que está em potência. Este particular modo de conceber o tempo influenciou profundamente não apenas a arte e a filosofia orientais, mas também o pensamento e as artes ocidentais que se expandem em práticas que exploram o tempo como tecido vivo — duração, repetição e mudança —, transformando a experiência temporal em gesto poético, ético e político. O tempo vivido — distinto do tempo cronológico ou mensurável —desenrola-se de forma quase impercetível nas variações mínimas do quotidiano. É o tempo em que estamos imersos, mas que raramente sentimos: o tempo como substância da existência e, simultaneamente, como o seu invisível. A arte e a filosofia partilham o gesto de tornar sensível o que habitualmente permanece oculto na experiência comum.  Filósofos como Bergson, Jullien e Gil, a par de artistas como Pina Bausch ou John Cage, mostram-nos que experienciar o tempo vivido pode significar não limitar a observação do real aos seus elementos visíveis, mas abrir-se à perceção do invisível que os envolve, atravessa e move. Trata-se de uma experiência de ver que transforma o quotidiano de um lugar-tempo conhecido e previsível num campo de experimentação aberto à diferença, à observação dos pequenos acontecimentos que emergem nas dobras do tempo vivido e que levam o real a dilatar-se, a multiplicar-se, a divergir de si próprio. Na contemporaneidade tecnológica, marcada pela sucessão incessante de estímulos e pela fragmentação do tempo em instantes orientados para o desempenho, recuperar o tempo como experiência a habitar torna-se uma escolha ética e estética. Esta secção da RED reúne seis artigos que exploram o tempo vivido como uma zona de suspensão, na qual a escuta surge, ainda, como resistência sensível à lógica da aceleração e como um modo de habitar mundos menores, que a propensão contemporânea para a velocidade e a visibilidade imediata tende a marginalizar.

Referências

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