Chamada de artigos para secção temática: “Tempo-vida e criação”
A RED – Revista Estud(i)os de Dança tem o prazer de convidá-los a submeter os vossos artigos para a secção temática "Tempo-vida e criação".
Editores Convidados:
Luca Aprea (Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Teatro e Cinema; INET-md, Polo FMH, Portugal)
Vera Bertoni (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Departamento de Arte Dramática; Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - PPGAC, Brasil)
Na cena contemporânea, assistimos a muitos artistas e coletivos cujos processos de criação parecem relacionar-se de maneira especial com o tempo. Na falta de uma definição a priori dessa “relação”, que se revela numa multiplicidade de formas e estéticas nas artes performativas, como a Dança e do Teatro, digamos que se trate de uma espécie de “atração” pelo tempo como substância, como matéria da criação artística. Uma atração que transforma a relação habitual com o tempo e que desperta para a perceção de um tempo mais sutil, antes “insensível”, inexistente; um tempo até então silencioso, que se torna mais tangível, assumindo o caráter de uma presença ou até de um convite.
A expressão “tempo-vida” é, por assim dizer, uma tentativa de caracterizar esse tempo subtil, embora substancial, que surge/corre em simultâneo com a vida que ele mesmo instaura, enquanto experiência compartilhada; e, quem sabe, motivar artistas pesquisadores a partilhar relatos reflexivos de experiências que se realizam, ou que se entendem, a partir dessa atração.
Aprendemos com o filósofo francês Henri Bergson [1859 – 1941] que a noção de “duração” do tempo é uma construção estritamente subjetiva, ou seja, independentemente de unidades e instrumentos que dispomos para quantificar o tempo, a ideia da sua passagem é uma elaboração interna, construída por vivências individuais e aferida pela qualidade dos nossos afetos. A partir dessa premissa aparentemente simples, de que vivemos o tempo de uma maneira e o sentimos de outra, chegamos a uma visão complexa acerca da dimensão quantitativa e qualitativa do tempo, que nos leva a pensar sobre o aspeto experiencial e espontâneo do nosso processo de conhecimento ao longo da vida, em contraposição à maneira planeada, categorizada e conceptualizada de como compreendemos os conhecimentos ditos académicos.
Ainda que a noção bergsoniana de duração possa sugerir um tempo mais denso, mais “cheio” do que o tempo quase invisível da vida quotidiana, gostaríamos de designar como duração uma certa qualidade do tempo que corre em simultâneo com a vida. É precisamente a relação entre o artista, a sua obra e o espectador que a testemunha, e esse tempo a que chamamos “tempo-vida”, que interessa enfatizar neste breve texto, cuja intenção é convidar/provocar artistas, pedagogos e investigadores a pensarem sobre a(s) forma(s) como, a partir de um determinado momento, o tempo se torna mais presente. Antes mesmo da dimensão existencial, deseja-se enfocar a dimensão criativa da relação com essa “substância”. A mesma relação criativa que, por exemplo, um escultor poderia ter com um determinado material, um pintor com a luz, um músico com o silêncio e o som. Trata-se, portanto, da interação autoral ou criativa que o artista pode estabelecer com esta substância temporal, a que também chamamos de duração.
Uma dimensão dessa relação interativa com o tempo como duração é a da continuidade: seja para evidenciar o fluxo desse tempo-vida, que é contínuo, pois transcorre (e repete-se) continuamente; seja para descrever a relação que se estabelece entre o plano do tempo como doação espontânea (imanência) e o plano do acolhimento e leitura dessa doação (“testemunha”). A noção de testemunha remete à posição paradoxal do observador que se encontra simultaneamente imerso no fluxo do tempo que transcorre espontaneamente. Os dois planos, o da doação espontânea (inconsciente) e o da testemunha (consciente), uma vez abertos um ao outro, instauram uma relação de continuidade. Como se a posição da testemunha propiciasse uma qualidade de atenção aberta a um campo que normalmente permanece em segundo plano, coberto ou ofuscado pelos acontecimentos de superfície, imediatamente reconhecíveis; ou constituísse, ela mesma, um lugar de suspensão dos modos habituais de perceção e de ação, normalmente orientados para objetivos e resultados, e conduzisse à experiência de um outro regime de eficácia através da abertura percetiva ao pormenor.
Nesse sentido, a abertura percetiva para o campo de doação do chamado “tempo-vida” (duração) não corresponderia, portanto, a uma imersão íntima e solipsista de cada pessoa nas suas próprias narrativas de vida. Corresponderia, antes, a uma expansão percetiva e a uma procura/criação de conhecimento para além das condições mais imediatas do saber.
A Revista Estud(i)os de Dança (RED) lança a secção temática intitulada “Tempo-vida e criação”, com a perspectiva de reunir e disponibilizar relatos de experiências artísticas no campo das artes performativas, ou das artes da cena, que, de algum modo, reflitam essa relação substancial, corpórea, entre a cena, o tempo e a vida.
Nessa perspectiva, a RED tem em vista acolher também trabalhos resultantes de pesquisas desenvolvidas a partir da narração de “histórias de vida” ou de outras metodologias qualitativas de cunho biográfico que se proponham a evidenciar essa relação privilegiada do evento artístico com o tempo: o tempo da experiência, do encontro, da construção de sentido. São estimados relatos reflexivos que envolvam narrativas de vivências pontuais desenvolvidas no âmbito da ação artística, cultural ou educativa em Dança, Teatro e demais Artes da Cena, ou que enfoquem experiências ou trajetórias mais amplas, abrangendo tanto a formação pessoal e profissional de artistas ou mestres “ao longo da vida”, como a constituição e a consolidação de coletivos diferenciados por escolhas estéticas, causas identitárias, práticas artísticas, metodologias, pedagogias e modos de produção e difusão de fazeres e saberes não hegemónicos.
Outro aspeto que poderá ser explorado é aquele que envolve as relações estabelecidas entre as produções e eventos de cunho experimental no campo das artes performativas, na Dança ou no Teatro, e o que chamamos de “mercado”, ou “circuito”, cujos processos de seleção (inclusão ou exclusão) e fomento costumam corresponder a interesses comerciais ou a critérios específicos que tendem a desfavorecer propostas experimentais e procedimentos artísticos em aberto, suscetíveis, por sua vez, à incerteza, à imperfeição e ao erro, elementos próprios da experiência vivida, e que dificilmente são admitidos, ou se verificam na cena “dita” convencional.
De modo geral, o que se espera é oferecer aos leitores da RED uma composição de experiências cénicas realizadas em contextos diversos, de modo a evidenciar aquelas que se desenvolvem à margem dos circuitos formais ou dominantes de arte e de educação, mobilizadas por dinâmicas ou fluxos pouco convencionais, sem detrimento das que se fundamentam e processam a partir de epistemologias, metodologias e dinâmicas investigativas constituídas na academia, desde a educação básica até ao ensino superior.
Tópicos sugeridos:
- O tempo como matéria de criação nas artes performativas
- Tempo e histórias de vida
- Formação experiencial ao longo da vida
- Tempo e ação artística e cultural
Bibliografia
Bergson, H. (2006). Duração e simultaneidade. Martins Fontes.
Deleuze, G. (1995). L’immanence: une vie… Philosophie, No. 47: Gilles Deleuze, 3-7. Les Éditions de Minuit.
Josso, M.-C. (2007). A transformação de si a partir da narração de histórias de vida. Educação, 63(3), 413–438.
Lapoujade, D. (2013). Potências do tempo (H. Lencastre, Trad.). n-1 edições.
Data-limite de envio do artigo: 15 de março de 2025.
Previsão da Publicação: Outono de 2025.
Submissão: O artigo deve ser elaborado segundo as normas de submissão e ser submetido diretamente no site da revista através da plataforma OJS, onde deverá selecionar a secção “dossiê temático”.
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