Este artigo aborda o projeto coreográfico participativo A Viagem (2011-2024) de Filipa Francisco, no qual a artista e a sua equipa desenvolvem um processo de trabalho e uma peça para palco com grupos de ‘‘músicas e danças tradicionais’’ portuguesas, em diferentes regiões do território português.
Sendo um projeto de arte participativa - e, portanto, comprometendo-se claramente com os valores da democracia -, A Viagem aproxima-se de uma cultura coreográfica popular que foi, no período do Estado Novo (1933-1974), usada como ferramenta de propaganda ideológica do regime ditatorial português. O artigo procura tratar o projeto a partir da tensão entre certos princípios das práticas artísticas comunitárias e A Viagem em particular, e este repertório de ‘‘danças tradicionais’’ que os coletivos transmitem, praticam e apresentam, ainda na atualidade, como representações do passado.
Dado que participei durante alguns anos, no projeto, enquanto intérprete profissional, a minha experiência é determinante na forma como ele é aqui tratado. Contudo, as conversas realizadas com Filipa Francisco e com Telma Martinho e Pedro Farate, dois elementos de grupos de danças tradicionais que participaram na peça foram para cruciais, não só para entender as suas experiências pessoais, neste contexto, como também para abordar os objetivos, as metodologias de trabalho e a materialização em obra d’A Viagem.